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quarta-feira, 4 de março de 2015

A Minha Avó

A minha avó desenhada pelo meu pai 


Em Junho a memória falhava.
Em Julho, comida passou a ser passado.
Em Fevereiro, deixou para trás a vida e o tempo contado.

Mesmo avisando que ia partir nāo passou a ser melhor essa ideia de te ver ir.
A vida disse adeus à minha avó.

Antes de nascer ninguém nos diz como esta vida vai ser. Como vai doer.
Nascemos. Vivemos... Morremos.
Na falta das palavras certas lembro hoje o que ainda em Junho dizia de coraçāo apertado:

"A vovó Fernanda foi sempre como o doce mais açucarado e mais belo da pastelaria. Um doce. A alegria. A simpatia. Uma beleza. 
O seu rosto iluminava-se sempre que me via pela porta.
Mesmo doente, ainda hoje tenho a sorte de merecer o seu sorriso rasgado cada vez que apareço.
Na porta. Pela porta. O sorriso.
Apareço pouco, menos do que gostaria. Sempre que possível.
A vida baralha-nos o tempo. É difícil. A doença troca-nos as voltas e magoa.
Somos uma família com sorte. Têm sido 94 anos de beleza.
A dor tem começado a crescer como crescer tem custado a doer.
É a doença. Levou-lhe a memória. Levou a minha vovó Fernanda como me lembro. Há anos.
Faço de tudo para que a sua ausência de memória nāo faça esquecer a minha.
Guardo-a como a conheço: um doce... O melhor da pastelaria.
Os seus cabelos brancos lembram sempre as histórias de ir dormir, os vestidos cosidos à māo e os  bordados tāo perfeitamente trabalhados. É maravilhosa a minha avó.
Hoje, longe da memória de outros tempos agarra ainda assim na māo da minha filha como se fosse a minha. Sim, como se fosse a minha. A māo.
Olha-a nos olhos, tenta segurá-la todo o tempo. Ama-a instintivamente ao colo.
Diz-lhe: Ana Rita, Ana Rita.
-Avó... Minha avó... É  a minha filha, chama-se Amália.
Os segundos passam e diz: Catarina, Catarina... 
Repete sucessivamente o nome das suas netas. Eu repito: Avó, a minha avó...

Levaram parte da minha avó...
Tāo distante e tāo perto.
O amor e a ternura com que olha a Amália fazem valer a vida que tantas vezes já nāo tem.
Pode baralhar, confundir, nāo lembrar... Mas será sempre a mais-perfeita-avó.
Amália... Gostava tanto que um dia recordasses como eu a tua bisavó.
A minha querida avó que a memória levou.
Mais que os parabéns, avó, quero muito dizer-te que o amor ficou. A memória assim decidiu e deixou."  

Hoje, agora em 2015… De coraçāo esmagado.
Já nāo faz anos a minha avó.
Nāo mais posso afirmar que levaram parte da minha avó…

Deixou de se baralhar… Deixou de se confundir… De nāo se lembrar…

Foi maravilhosa a minha avó.
E será sempre a mais-perfeita-avó.
Será sempre o mais-perfeito-doce.
A mais-bonita-simpatia.
A mais-bela-alegria.

Amália… Por isto hoje repito:

Gostava tanto que um dia recordasses como eu a tua bisavó.

Avó, hoje, agora… Quero muito repetir-te que o amor ficou. 
A memória, a tua, partiu. 
A vida, a tua, desistiu… 
Mas o amor, o nosso, esse ficou.  
Ficou. 

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