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sábado, 24 de janeiro de 2015

Como Um Balāo No Ar "I Can Go The Distance"


Mal falava. Pirralha. Nariz a tocar o céu estrelado. Olhar atento. Silêncio falado. Com e sem a mania.
Fixada na caixinha mágica, nos sonhos:
- Māe, um dia hei-de ser ali.
Admirada - "vai-lhe passar".

Nāo passou.

Tentava preparar-me para a vida.
A minha māe.
Fazia de tudo para me suavizar as quedas.

Há quem prepare os filhos para o sucesso.
Há quem prepare os filhos para o insucesso.
Sāo diversas as maneiras de amar.

Importante, mesmo importante é continuar a incentivar.
Mal nāo faz, saber de ante-māo que nem sempre a vida é o que se quer.
Talvez o balanço seja perfeito entre o que tememos, o que acreditamos e o que fazemos.

Nāo deixando jamais de ser a minha base. Era o meu lugar constante e seguro.
O elo certo que me unia os pés à terra.
A este planeta. A este planeta terra.
Nāo fosse eu ser ainda capaz de inventar um outro. Um outro planeta.

Eu vi sempre o céu.
Fossem as estrelas. O sol ou a lua.
Sempre.

Precisava daquele balāo de ar quente, daquele pára-quedas que suspende no ar.
Assim foi. A minha māe.
Todas as vezes lá para nāo me desmontar sozinha a aterrar.

Houve vezes, sim, em que me parti, em que me desmontei, na aterragem.
Mesmo com pára-quedas, esta terra é dura.
Regra incurável… Encaixei sempre os pedaços.
Acompanhada ou menos… Sempre…

Pedaço a pedaço… Peça a peça. Passo a passo.
"Be water my friend" passou a ser o lema.

Aos 30, lá fui. Menina de cinco, mala numa māo e sonhos na outra. Fui.
Atirei tudo ao ar.
E lá estava a māo da minha māe. A ver-me partir, olhos fortes, coraçāo desfeito e orgulho no peito.
Insistia… 'Vai porque deves ir mas lembra-te… nāo serāo sempre rosas".
E em jeito de história da Disney, eu sabia: I Can Go The Distance. Fui.



Depois de se embarcar neste sonho. Depois de se ir já nāo se volta.
Mesmo cá, jamais se volta.
"I don't care how far, I can go the distance."
É sempre apenas um bilhete de ida mesmo quando inclui regresso.
Muda-se eternamente. Vive-se ainda mais intensamente.

Passei a tolerar mais o que sempre devia ter tolerado.
Deixei de tolerar o que nunca antes devia ter tolerado.
Sou diferente. A mesma. Diferente. Nāo outra mas diferente.

A māo da minha māe, sempre a mesma.
No mesmo aeroporto em que parti. No mesmo aeroporto quando cheguei.
Ali. Sempre ali, a minha māe.

Preparar os filhos para os sonhos.  Era por isso que escrevia.
Orientar para os seus maiores e mais altos vôos.
Deixando com o destino o sucesso do amanhā ou o fracasso do depois de amanhā.

E quando digo preparar digo preparar...
Nāo é à toa que o Michael Bolton está a esforçar-se a cantar.
Está pelos muitos céus limpos, cheios de estrelas, por uma quantidade enorme de nasceres do sol bem quentes e por outros quantos pôr-do-sol a dar lugar a (pelo menos) uma lua cheia a encher.

Seja ao som de Michael Bolton de cabelos ao vento, seja ao som do maestro que conduz a orquestra pelas sinfonias do Mahler. Seja qual for a banda sonora:

Regra número um: tem de tocar bem alto
Regra número dois: tem de tocar bem fundo
Regra número três: tem de tocar e voltar a tocar

Como um balāo que se entrega ao vento e que suavemente há-de voar.
Por ti, voa minha filha, voa.




quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A Raquel


A Raquel (vamos chamar-lhe assim) escreveu-me.
Uma carta cortante. A respiraçāo falhou-me a dado momento. Uma intensidade de palavras sobre como ser māe, mulher e profissional… 
"Como, querida Ana, como?" Um grito desenfreado no papel.

Já devia ter respondido. Passaram-se dias… 

E tenho dado voltas à cabeça. Como, querida Raquel, como?
Infelizmente ainda nāo sei se sou pessoa capaz de responder a esta pergunta de resposta tāo complexa. 
Talvez o tempo desenlace com clareza. 

A Raquel, tal como muitas māes, tal como eu, vive a tentar conciliar a maternidade com o resto. Sim, "o resto" como ela diz. Porque o "resto passou a ser, de facto, tudo."  "tudo o resto." Tudo passou para segundo plano e, em tantos casos, o resto é o que "sobra" de nós. O que "sobra" entenda-se, segundo ela, o que pode ficar. E o "nós"? O "eu"? O "eu" que fomos e queremos continuar a ser? O "nós" e a dita "nossa mochila" que há uns tempos lembrava com uma amiga.
Antes de mais, nas palavras da Raquel, senti um sentimento de culpa que gostava de solidariamente lembrar… É que continuamos a ser pessoas, Raquel. Nāo passamos a ser apenas māes, continuamos a ser pessoas. Mulheres. E isso nāo pode ser uma culpa. É, digo eu, difícil para todas ou, pelo menos para muitas māes como nós. Deve fazer parte, digo eu novamente, adaptar aos tempos recentes depois da chegada de um gigante e intenso furacāo. Mesmo que isso nāo seja dito. Mesmo que nāo pareça. Mesmo que achemos que nāo. Tudo muda. Tudo. Inclusivamente nós. 

Neste lugar escrevo muito, quase sempre, sobre amor incondicional, amor puro, com um foco meio vidrado no lado positivo, esse lado óbvio e incrível do milagre de se ser māe. Mas Raquel, quero dizer que a minha vida, sendo feliz, nāo é perfeita. Claro. Como a sua, claro.
Ao ler o testemunho da Raquel caiu em mim um peso… E por isso escrevo hoje para ela e para todas as pessoas, recém-māes, mulheres… sobre a Raquel e sobre isto de se continuar a ser o que se era e muito mais. Primeiro nāo gostava que a Raquel achasse/acreditasse que a vida dos outros é perfeita. A vida de cada um é o que é, à luz do momento, da circunstância, do tempo, do espaço, do lugar. Tudo é sempre o seu contexto. O seu contexto hoje.
A minha vida, "Raquel", sendo boa, tantas vezes bonita, muitas outras vezes feliz... é também uma vida que outras tantas vezes é triste, com contratempos e com lágrimas. 
Como todas as vidas. Como a de todas as pessoas. 

Raquel… Senti um peso porque… E tenho de dizer… Nāo sei a fórmula para se ser tudo isso. Emocionou-me porque a Raquel acredita que eu sou tudo isso mas pesou-me porque também eu, como a Raquel, nāo sei se sou. Também eu estou a tentar, a nāo desistir, a seguir para ser o que era e ser mais o que virá. Nāo sei de nenhuma fórmula certa. Nenhuma. Nāo sei. Para se ter sucesso no trabalho, para se ser māe e continuar a ser mulher… Nāo sei mesmo. E acho que ninguém saberá.
Desconfio muito que nāo existe fórmula certa. 

Também eu nāo sei prever como será o amanhā. Conseguirei mesmo seguir os meus sonhos profundos e continuar no seu encalço? Nāo sei, Raquel. Sei apenas que hoje sou mais mulher que ontem. Fui māe.  E sinto-me mais mulher. E em muitos campos melhor. 
Mas… Sim, a "liberdade"… 
Fala de liberdade, a Raquel… Percebo bem. Muito bem, Raquel. Nāo condeno. "Parece feio dizer porque sou māe e sinto a ameaça de um nevoeiro que nāo me deixa ver a linha infinita do horizonte. É que ficou tāo distante a liberdade."
Raquel, passo a passo, ainda nāo sei também o que virá do tempo que tive de parar para ser māe. Ainda nāo sei o que virá por ter decidido regressar ao meu país numa altura destas. Ainda nāo sei se um dia nāo terei de voltar a começar do zero. Nāo sei, Raquel. Mas ninguém pode saber sem experimentar. Nāo é? E sem experimentar o que é também maravilhoso e bonito. Será mais fácil para quem tem um trabalho dito regular, dito normal? Nāo saberei também. Talvez. Será mais fácil para quem tem sonhos mais regulares? Nāo saberei também. Há sonhos mais regulares? Talvez. 
Também nāo sei se eu serei exemplo de boa māe, ainda mais mulher e boa profissional. Gostava, sim. Obrigada, Raquel. Mas também ainda nāo sei se sou e se serei.  
A Raquel, a determinada altura, diz que nāo conseguiu regressar ao trabalho. A Raquel nāo tem conseguido ser a Raquel que sempre foi, diz. "Depois de ter sido māe" - afirma - "perdi a liberdade. Ganhei muitas coisas mas tenho de dizer isto que me consome - perdi a liberdade. Nāo sou mais apenas eu e os meus sonhos. Sou um caco e também mil biberons. Eu e panelas de sopa. Eu e pilhas de roupa para lavar e passar. Eu e o pó da casa que se acumula e que tenho de ser eu a limpar. Eu e um marido excelente presente mas que trabalha que nem um cāo, por mim e por nós. Eu deixei de sonhar com a ideia de voltar a trabalhar. O que ganhava era menos do que gastava para pagar as despesas do meu filho na creche, contratar uma empregada e ainda pagar a segurança social e os impostos. Por isto… Nāo consigo trabalhar. Tinha de pagar para trabalhar. E por nāo trabalhar já nāo me sinto eu. Nasci e cresci mulher de força, com armas dentro de mim, e cultivo o amor forte no coraçāo. Mas também achei que conquistaria muito com a minha entrega profissional. Acreditei que seria māe, esposa, mulher e profissional. Os dias vāo passando e nāo sei se vai ser possível. Amo o meu filho. Amo o meu marido. Choro, nem consigo parar, porque é amor. Nāo ache que nāo é. Mas e a minha carreira? O meu dinheiro no bolso para trapos e baton barato que seja? O meu minuto, a minha hora para ler um bom livro ou ver simplesmente a vista? E o meu futuro? Tanto do que sonhei? Como, querida Ana, como? Como posso ser māe, continuar a ser mulher e sonhar em trabalhar? Como? (…)"

Raquel… Nāo haverá māe que nāo entenda o que diz. Eu entendo muito bem. E nāo acho, nāo tenho como achar que nāo é amor. O que coloca em causa nāo é de maneira nenhuma o amor. Para mim, isso é claro.
Importante acho que seja encontrar a dose equilibrada entre os sonhos e a realidade, a dose certa de presente, passado e futuro. É importante nāo esquecer quem é, quem quer continuar a ser. Nāo anular sonhos. Manter muito do que sempre foi. Lembrar todos os dias os sonhos e continuar a respeitá-los e ser capaz de focá-los, alimentá-los ainda mais. Dar tempo ao tempo sem deixar que a vida escape pelas māos. Digo-lhe hoje o que me diz tanto o meu melhor amigo: "o primeiro passo para que a vida nāo te escape é olhares sempre de tantos ângulos para os teus dias nesse alerta constante". 
É sempre tempo de lembrar para nāo esquecer. É sempre altura de nāo se deixar levar pela força das circunstâncias. O primeiro passo, Raquel, é esta carta que escreveu. É esse alerta constante. É saber que precisa de continuar a ser a mesma. Depois, nāo se deixar render e planear. Fazer. Ir fazendo. Raquel, só nāo vale desistir. 
 O "resto" como diz, o "resto" virá. 
E acima de tudo, continue sempre a lembrar, a sentir o amor. Nāo vale olhar de lado o amor. 
Nāo vale arrancar pedaços de amor pela dor. Nāo vale perder para dar pontos ao rancor. Nāo vale quase esquecer o bom, o incrível, o enorme amor que o grande "furacāo" certamente para si também deve ser.  

As māes quando assim tanto querem e tāo firmemente decidem, podem ser e serāo excelentes profissionais. Mesmo quando tudo pareça mais que impossível.
A verdade é que podemos ser māes, mulheres, esposas e continuar a fazer, a alcançar, a sonhar. 
A gasolina deve passar por nāo deixar de sonhar, nāo baixar os braços e continuar a amar.

Nāo vale desistir, Raquel, só construir. 
Obrigada pela carta. É sempre bom lembrar o essencial para nāo deixarmos de tentar, de fazer, de lutar, de ser.
Nāo vale esquecer:
Construir. Sem desistir. Sem esquecer de ser. Sem esquecer de si.

Também eu nāo me vou esquecer de mim.    
Ana









quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

10 Meses


Para ti, todos os poemas todos os dias. 
Hoje: 10 meses. 
O tempo não passa porque não se trata de passar. Acrescenta. O tempo acrescenta, acrescenta-se e acrescenta-nos.



terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Os Elevadores, A Vida, A Perfeita (im)Perfeiçāo


Fico doida. Maluca. Nem sei por onde começar… Sāo os elevadores. 
Os elevadores tiram-me do sério. 
Somos māes, certo? Andamos com um carrinho de bebé para todo o lado. A todas as horas e quase em todos os lugares…
Como dizer? Sāo o raio dos elevadores, as casas de banho públicas, os sacos das compras e as malditas escadas. Caramba. Eu explico. Estou enervada. Irritada. Apre. Desculpem mas estou… 

Sāo alguns destes detalhes do dia-a-dia que irritam e tornam a vida imperfeita. Sim. Imperfeita. Nāo me queixo da minha ultimamente. Nada. Quer dizer nestas linhas hoje até me queixo, mas só um bocadinho.

É a falta de educaçāo de algumas pessoas. Muitas mesmo. É inacreditável. Em placas bem visíveis nos elevadores públicos está escrito (e "desenhado" para quem nāo sabe ler) para se dar prioridade a grávidas, idosos, deficientes e pessoas com carrinhos de bebé. 
E faz sentido. Todo o sentido. Pois estas pessoas nāo podem ir pelas escadas com facilidade, nem com segurança. Pois nāo têm grande opçāo. Mas pois que sāo precisamente estas pessoas que ficam eternamente penduradas em frente a portas a abrirem e a fecharem sem que ninguém de lá de dentro se mova para dar prioridade, a devida prioridade. Pior… Até por vezes há quem se apresse a correr e passe por cima destas pessoas para apanhar o seu elevadorzinho num abrir e fechar de olhos. Vale tudo. 

Isto pode durar uma eternidade. Ver entrar e sair pessoas. Porque espaço nāo existe. Nem ninguém se dá ao trabalho de o criar. Mais vale cruzar os braços e rir. É que (para quem nāo perceba a urgência, muito facilmente entendida para qualquer um dos outros caso, sejam eles idosos, grávidas ou deficientes) para além de nāo ser possível irem pelas escadas muitas māes também têm pressa pois têm de dar de mamar/alimentar e mudar fraldas com uma frequência que, pelos vistos, escapa ao conhecimento do mais comum mortal. Ou seja, nāo têm a vida toda para estar em frente a um elevador muito calmamente quanto mais nāo seja porque se massacra os bebés dentro dos carrinhos ao fim de muito pouco tempo. Daí também a prioridade ser para todas estas categorias, pois cada caso à sua maneira precisa efectivamente muito de utilizar os elevadores e com rapidez e eficácia. 
Só posso concluir que todas estas pessoas - dotadas de duas perninhas andantes, cheias de juventude, mobilidade, saúde e perfume - ainda nāo foram pais e/ou nāo foram de todo educados. 

Mas bom, mesmo bom, melhor que tudo... sāo as casas de banho públicas de algumas grandes superfícies. 
É impressionante verificar que há quem projecte, em pleno século XXI, casas de banho sem pensar que se uma māe está sozinha com o seu bebé e calha a ter de ir à casa de banho…  Só tem duas hipóteses: ou faz pelas pernas abaixo ou arrisca-se a ficar sem filho. Porquê? Porque sāo inúmeras as casas de banho onde nāo há espaço para entrar com o carrinho. Ah, claro, também podem achar que seria natural fazer de porta aberta. Pois talvez. Eu nāo acho natural. Nem aceitável. Mas claro que numa cidade onde dificilmente se passa com um carrinho de bebé no passeio nāo se pode exigir muito mais. 

Enfim… Nem quero imaginar o que será andar de cadeira de rodas nesta terra. A minha solidariedade para todas as pessoas com mobilidade reduzida. Nem consigo imaginar.

Foram apenas exemplos… A lista fica bem incompleta mas nāo vou lamentar mais. Por hoje já chega. 
Desculpem.