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sábado, 29 de novembro de 2014

Nāo Consegui



Eram 18:00. Carros por todo o lado. Já ia tarde. Queria ter ido às 17:00.
Nāo consegui.

Senti-me uma má māe.

Eram 18:30. Tudo parado. Queria ter ido às 17:00.
Nāo consegui.

Senti-me uma má māe.

Eram 19:00. Luzes encarnadas na frente. Faróis pelo retrovisor.  Queria ter ido às 17:00.
Nāo consegui.

Senti-me uma má māe.

Eram 19:30. Finalmente cheguei.
O silêncio do lugar fazia notar a quietude estridente da agitaçāo anterior.

Senti-me uma māe pior ainda.

Tudo quieto. Tudo calado. Apenas o som do ar e do vento no meu cabelo a espreitar.
Ao fundo, desfocada, aproxima-se a Amália ao colo e ao som dos passos.

Um sorriso largo.
Senti-me  melhor māe.
Silêncio quebrado. Amor retomado.

Desculpa, meu amor, ontem …
Nāo consegui.

domingo, 23 de novembro de 2014

Et Voilà: A Primeira Obra de Costura



Se eu dissesse que esta é uma 'touquinha para a Amália', esta frase daria gargalhada imediata em família. É que depois de ouvir tantas vezes (fosse com 40'graus ou -10'): 
'Então e a Amália não tem uma touquinha para a cabeça?
Parece agora ser piada... Mas não é! 

Esta é, na realidade, a minha primeira obra de costura. E, sim, é uma touquinha para a cabeça. 

Fui na semana passada à primeira aula de costura, como disse. Infelizmente uma gripe levou-me à cama e ainda não tive mais aulas entretanto. Senti-me melhor aqui por casa e ontem a máquina piscou-me o olho. Eu pensei... Hmmm... Eu consigo fazer qualquer coisa! Um vestido a meio e o receio de me meter a fazer coisas sem supervisāo… Sentei-me e resolvi… Vou experimentar sozinha. Uma coisa nova. Uma aventura. Li alguma teoria e...

Et voilà! 
Foquei-me nisto e cá está.

Imperfeita... No entanto, cá está! É, sem dúvida uma "touqinha" para a cabeça. Diria mais, estou até muito orgulhosa deste meu feito! 
É que isto da costura tem muito que se lhe diga mas o que é preciso mesmo é: 
Gosto e paciência. 

Tenho para mim que este é o início inesperado de algo maior. 
A ver vamos. A ver vamos. 
Por agora, deixo-vos com a primeira obra: a touca Amália. 

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A Gata

Ilustraçāo por Anita Mamā


E de quando em quando sou assaltada pela vontade de esborratar papel, remexer em lápis e blocos de desenho. 
Nāo vejo a hora de me sentar tardes inteiras a desenhar e a pintar com a Amália. 
Enquanto esse tempo permanece distante, vāo ficando aqui estes rabiscos solitários. 
Ao vivo mais engraçados. 
O mémé fez sucesso, quem sabe a gata segue o mesmo caminho. Depois da gata, quem sabe o cāo. 

Até a pequenita crescer ainda tenho tempo de rabiscar o jardim zoológico todo. 





domingo, 16 de novembro de 2014

Anita Costureira


Sexta-feira foi dia 1. Dia 1 na costura. Nāo sei muito bem a razāo mas tenho uma vontade constante de procurar "ferramentas" novas. "Ferramentas" que de alguma forma me completem aqui e ali no meu trabalho ou simplesmente a mim. 
Em quê? E para quê? 
É que tantas vezes imagino coisas que nāo encontro em lado nenhum. É que tantas vezes me ocorre que se eu soubesse mexer nisto ou naquilo… Até fazia muito do que imagino. Nāo que seja relevante para mais alguém. Nāo. Mas pelo menos para mim é. 
Ter-se a capacidade libertadora de fazer o que se imagina. 
Tenho conseguido nalgumas áreas, áreas que se interligam. Faltava-me esta que adoro e mais vou adorar: a costura. 
Estāo sempre a inventar-me profissões. Deve fazer parte do destino de quem deu a cara no pequeno ecrā uns anos e depois deixa de dar. Deve ser mais fácil inventar que dizer a verdade. Mas vamos acreditar que é apenas confusāo por eu gostar de várias coisas. Agora dirāo certamente que sou costureira. Tinha a sua graça. Se costurar fizer de mim costureira. Agora: Anita Costureira. 

A vontade de pensar alguma coisa e fazê-la é liberdade. Pura e grande liberdade. 

E por fim, evitem pedir baínhas ou pequenos arranjos… Se é para pedir que seja "à grande". 
Aqui só se farāo vestidos de noiva, de noite ou de boda…  

Bom… Talvez seja melhor nāo exagerar nem brincar. 
Começar por aprender a coser a direito já vai ser um grande feito. 

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Tal Pai, Tal Filha

Dezembro de 1978

E confirmei o que há uns dias desconfiava…
Tanto disse que a pequenita era minha fotocópia que agora tenho de partilhar: um fenómeno estranho apoderou-se desta casa. Parece que fui lá dentro à cozinha e quando voltei… A minha filha passou a ser fotocópia do pai. Nāo sei muito bem explicar como é que aconteceu mas era capaz de jurar que ainda agorinha era igual a mim… Eis que esta foto do Pedro nāo me permite mais apregoar à boca cheia que as duas somos iguais. Agora com alguma ginástica, tocando até o ridículo, arrisco a dizer qualquer coisa como: Cara do pai, feitio do pai, sorriso do pai, tudo do pai… mas com as cores da māe. 

Pronto. Ficou qualquer coisa. As cores. Haahahahah

É que isto de nos dizerem que somos iguais aos nossos filhos traz um sentimento enorme de ternura e orgulho. Sermos feios, altos, magros ou gordos conta muito pouco na equaçāo. Vá-se lá entender porquê, esta ternura arrebatadora que se sente transborda por nós acima e faz-nos levitar. Talvez seja mais uma forma de renascermos, uma e outra vez contra o tempo, talvez. E assim encerra em si, sempre de alguma forma, uma vaidade ou egocentrismo. E eu ralando-me… Acho graça ao facto de os filhos serem iguais aos pais e/ou às māes. Acho. Que hei-de fazer eu a isso? Nada. 

Até porque um dia … Num dia muito importante… descobri numa maravilhosa viagem que a minha crença na vida, a minha "fé" se assim se pode chamar, passa por aqui. No Brasil, do outro lado do oceano, de frente para as minhas tias que lá vivem, percebi todo o sentido da vida. Da minha, pelo menos. Tinha na minha frente a prova provada de que o universo é perfeito na sua organizaçāo. 
Nāo há distância que separe a genética. Nāo há oceano que faça esquecer o sangue. 
Hoje, acredito: envelhecemos sim, o corpo. Cedo ou tarde, deixa de funcionar. 
Fica o importante: a essência.  
Somos todos um. 


quarta-feira, 12 de novembro de 2014

A Culpa

Ilustraçāo de Monica Barengo

Hoje escrevo e penso sobre a culpa. Creio que nāo deve existir peso maior que a sensaçāo de culpa de uma māe. 
Umas vezes porque: 
"Nāo estava lá..." Maria 
outras porque: "Nāo fui capaz" Raquel 
de vez em quando porque: "falhei" Judite
tantas outras porque: "errei" Marta
uma única vez "nāo vi... irremediavelmente perdi" Rosa
nāo sei porquê: "olhei para o lado, naquele segundo olhei para o lado..." Sofia 
ou "de repente virou-se, nāo consegui agarrar, virou-se..." Patrícia   

A minha barriga fica às voltas com esta ideia de perigo constante e eminente. 
Depois de tudo fazerem para evitar o pior: o pior. E ainda depois do pior, o pior que se segue: o peso que se abate nas māes, desaba e arremessa tudo, numa fúria pela ausência de um segundo. 

As māes querem o bem e o melhor para os seus filhos. Esta é, em geral, a maior das certezas. 
O resto tantas vezes é destino como conjugaçāo de factores incontroláveis. Indomáveis e imprevisíveis.
A vida é infelizmente isso mesmo. Incontrolável. Imprevisível. Escapa tanto, e tantas vezes, entre os dedos. Por vezes pelas nossas māos. E por isso mesmo, aqui e ali, trai-nos. Aqui e ali inofensivamente. Outras  vezes irreparavelmente. 

Se passou pela traiçāo de um irreparável segundo... este pequeno texto é para si. 
A vida infelizmente tem vida própria. 

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Valente, Pequena, Pequenita Valentina




Nāo vou a tempo de contar a história da Valentina como gostaria. Com esperança. 
A esperança esventrou ontem, por fim, os braços da māe Amanda e abandonou assim a valente, pequena, pequenita Valentina. 

Esta podia ser uma simples história de um guiāo triste de um filme mais que dramático. Lamento tanto. Lamento porque nāo é. 

Infelizmente, a māe Amanda é real e a história da valente Valentina também.
Uma māe tal como eu, uma filha bebé tal como a minha. 
Uma māe tal como quem me lê, como todas as māes… 
E uma felicidade abruptamente interrompida pela fatalidade de um instante.
Por um incidente. Um acidente. Que se tornou para sempre irreparável. 

Com pouco mais de 9 meses de vida … A Valentina, como era próprio da sua idade, mexia aqui e ali. Apanhava coisas aqui e ali. Fazia coisas aqui e ali. Num ápice, num instante, num piscar de olhos, no tempo de uma luz que se acende, no tempo de um candeeiro que se apaga… As suas māos levaram à boca um gancho do seu próprio cabelo. Assim. Sem hesitaçāo. De uma vez. Gancho na boca. Seguiu… Engoliu. E ninguém viu. Seguiu. Simplesmente seguiu.

Começou assim o maior pesadelo desta māe. Começou assim aquele que acabou por se tornar o fim.
No dia 21 de Setembro a pequenita começou a ter convulções, vomitava, com sangue, ninguém sabia o que se passava. Encontrado o objecto metálico no esófago, a endoscopia alertava para o perigo … 
Num triste dia de Setembro, a Valentina deu entrada no hospital e foi submetida a uma cirurgia de emergência. Um corte com 17 pontos. Recuperou mais rápido do que se previa. 
Valente a pequena Valentina. Pouco mais de 9 meses.
19 dias no hospital. O tempo foi passando, ela foi recuperando. Teve alta. 
Num dia cheio de um caminho que se previa de sucesso. Mas a estrada acidentada atolava de pedras a caminhada. Uma infecçāo leva-a de volta ao hospital, menos de uma semana depois de lá ter saído. 

A 18 de Outubro, esta família novamente de urgência no hospital. O sangue reapareceu, novamente num clic de um candeeiro que se acende, no clic de uma luz que se apaga. O maldito sangue. A māe Amanda na entrada de um elevador, num piso qualquer daquele hospital, viu a sua filha ser reanimada de rompante. Médicos e enfermeiros apressavam-se. Nem tempo havia para uma palavra. 
A māe ali. A filha rodeada. A māe, naturalmente, chorava. Gritava.
Nas ficções o som desaparece, as imagens sobrepõem-se e o tempo suspende. 
Mas foi realidade. 
Reanimada, corria ainda risco de vida. Três palavras: Uma nova cirurgia. 
Pararam a hemorragia. Foi um dos pontos que deu origem a um granuloma. 
A pequena Valentina ficou em coma. Coma induzido até ser possível outra cirurgia.  
06 de Novembro foi a data. Amanda acusava a exaustāo dos factos. 
Acreditava e temia. Temia e acreditava. Seguiram-se dias. Dias eternos de dor, de horror. De espera. 

Os médicos avisaram. A infecçāo afectava agora vários orgāos. 
Os médicos falavam. Amanda já nāo ouvia. Dizia que sim na tentativa de um esgar positivo vindo dali. Dia 07 de Novembro, esta māe escreveu pela primeira vez: "Estou prestes a perder…" 
Amanda perdeu mesmo. Lamento tanto.
A Amanda perdeu ontem a sua bebé, valente Valentina.
A esperança desfez-se ontem nas māos de Amanda. Nos "seus braços a sua filha descansou."
Partiu e descansou. 
Lamento muito. 
Tudo. Lamento tudo.
Força para esta família… 


Este texto, para além de um abraço forte a esta māe, de um abraço a todas as māes que viram partir um filho… 
É um texto também para nos fazer pensar nos mais inofensivos hábitos como māes. 

Agora, mais que nunca, vou repensar tudo. Desde o uso de botões, à mola que prende a chupeta, ao elástico de cabelo, à compressa de limpeza esquecida no muda fraldas, tudo, tudo… tudo em todo o lado. 

Lamento tanto pela pequena, valente, pequenita Valentina. 



sexta-feira, 7 de novembro de 2014

As Páginas Avolumam-se - Amália: 8 meses


Tinha dentro de mim tantas certezas quanto incertezas. Incertezas pelo medo que arrepia a espinha ao perguntar: serei capaz? Sou. Somos. 
Passaram oito meses para todos, mas para nós passaram oito e nove = 17 meses. Um caminho que vai profundo nesta vida "a duas", nesta vida a três. Com dias bons, fantásticos, maravilhosos. Com dias menos fáceis também, ou nāo fosse este o caminho da felicidade. Caminho mais que feliz e recheado tal qual um bombom. Caixas e caixas de bombons... Quando primeiro sabemos, sozinhas, nós e a vida de frente - estou grávida! - a alma arrepanha-se como num esgar de uma gargalhada congelada, tempo parado e mundo quieto no sopro de uma respiraçāo, na incerteza do riso total, do medo ou do pânico. Um misto de tudo num só segundo. Num só frame de película. E nesse instante nada sabemos, nada de nada. 
Cada dia que se acrescenta ao anterior, ganha novas palavras no dicionário. 

 

Até hoje. As palavras acrescentam-se. As páginas avolumam-se. Os momentos vivem-se.   
Nāo sabíamos nada. Continuamos a saber pouco mas o suficiente para amar cada pedaço teu no gesto inquieto de todas as manhās. Seja tempo de Outono, Primavera, Inverno ou Verāo. Cada amanhecer ganhou o brilho enorme de te ver entardecer. Hoje, amanhā… Todos os dias… Agora...
Todos os dias nāo quero morrer. Nunca. Só para te ver crescer.  




terça-feira, 4 de novembro de 2014

Grande, Ainda Que Pequenina


Somos grandes mesmo pequeninos. 
De todas as vezes que chega a hora de comer, instalam-se uns guinchos repentinos. Até salto de susto. Se por uma ou outra vez nāo percebi... Hoje passei a perceber. 
O que estava mal era simples. 
Explico:
Mesmo pequeninos, muito pequeninos, já têm querer. Ainda com pouco mais de sete meses a Amália começou a agarrar o biberon sozinha e a querer beber ao ritmo dela. Sem mim. Sem ninguém. Ao ritmo dela, à maneira dela. 
Pois hoje durante a papa, já em desespero, gritava, guinchava irritada comigo e nāo parava. Eu nāo entendia. 
Ela comia umas colheres de papa e gritava de novo. As lágrimas gordas rolavam pela insatisfaçāo, pela minha insistência. Finalmente fartou-se e explicou-me. Agarrou na minha māo com toda a força do mundo, mudou a rota da colher à sua maneira e puf até à boca. Ainda gargalhou. 
Colher atrás de colher, já nāo foi possível dar-lhe a papa como antes. Ri também. Tal como diz o ditado, se nāo os podes vencer junta-te a eles... Assim foi... 
Papa pelas māos, bochechas, olhos, papa por todo o lado. Mas gargalhadas felizes de uma conquista inédita: acertar sozinha com a colher na boca e morder morder morder. De vez em quando comer, comer, comer... Mas nem sempre. 
As vezes suficientes para nāo parar de rir. Ela e eu, claro.
Por este andar, lá para os 12 meses vai às compras sozinha. Só espero que nāo saia de casa sem lista. 
Pequenina mas grande, esta pequenita.