Facebook

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Acabados de Nascer. Acabados de Morrer.

Fotografia de: Mohammed Abed 


Lisboa: Este é um lugar de paz. De tranquilidade. Pode até ser uma pacata inquietude. Um tranquilo lugar de ansiedade. "Uma estranha forma de vida". Uma impaciente crise de presente e de futuro. 
No entanto... De paz.
Falta a de espírito mas fica a paz. A paz das nossas ruas. Das nossas copas das árvores. Das nuvens brancas em céus intactos. Das ecolas de férias à espera do regresso dos seus alunos. Das maternidades e hospitais onde entramos e nos entregamos à confiança de quem nos recebe.  
É assim Lisboa. Somos assim Portugal. 
O pior que temos nāo chega sequer a ser o bom ou o melhor de outros.

Aqui somos também um lugar inquieto e triste. De nota contada e tostāo furado. De māo atada e queixo baixo.
Mas somos também um lugar encantado. De māos dadas ao mundo, o lugar para sol, sorrisos e abraços. Amizade espalhada. Espelho de mar. Luz encantada. Paz relaxada. 

Longe da guerra. E de alguma forma longe de alguma paz. No entanto, por mais que nos falte, nāo sabemos o que é temer ataques dos céus. Armas por terra. Corpos desmembrados. Lutos em massa. Ódios eternos.

Nāo sei de guerra. Nāo consigo saber de guerra. Perco o norte só nas imagens. Hospitais? Maternidades? Civis? Homens, mulheres, crianças? Bebés... 
Mantas de sangue que cobrem corpos acabados de nascer... Acabados de morrer. 
Famílias inteiras. Do céu caem panfletos e nāo... Nāo é mais um festival de verāo. Nesta guerra ninguém se lembrará o que é música. Os sons distantes de tambores, de instrumentos. Os instrumentos sāo mísseis. Sāo armas. Armamento. As notas, pedaços de corpos. Que estoiram. Que morrem. 

Ouço, leio e releio 
"Israel defende o seu povo com mísseis. Hamas defende os seus mísseis com o seu povo" "Ambos os lados têm culpa" "A culpa da guerra nāo se mede por quem faz mais mortos ou feridos" "A diferença é que Israel podendo matar mais, mata o mínimo que lhes é possível. Hamas podendo matar mais, aniquilava todos."  "Israel quer paz. Hamas quer guerra." "Pobre Palestina que nāo sabe escolher os seus líderes" 
Tudo imperceptível ao meu mundo. 
Ao que conheço. Ao que sei que desconheço.  
Imperceptível.

Maternidades? Hospitais? Vidas atrás de vidas. Mortes atrás de mortes.
Crianças sem paz. Crianças sem infância. Pais, māes que correm, que gritam, que sofrem... Filhos feridos nos braços, sem braços.  
Mantas de sangue sobre corpos acabados de nascer... Sobre corpos acabados de morrer.

Conhecemos muito pouco, quase nada, disto. Aqui, longe, mesmo com imagens, textos, informaçāo... Nāo conhecemos nem uma pequena parte disto.

Todas as manhās agradeço aqui este lugar onde somos, este lugar onde estamos. Lisboa.
Ainda que um dia nos falte muito, esperemos continuar a ter a tranquilidade do nosso céu, o brilho do nosso mar e o sorriso dos nossos filhos.
Deveria ser assim em cada lugar. Quem dera fosse como aqui em todos os lugares.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Entretanto Vivemos



Estes dias tenho viajado pelo sorriso da minha filha, o amor do e pelo pai dela, a nostalgia de Londres, dos filmes, dos sonhos, dos amigos que lá deixei, dos festivais de cinema, da emigraçāo, da distância... Mas acima de tudo tenho viajado pela idade avançada das minhas avós e o contraste gritante da velhice com a infância. 

Agora que é tudo tāo mais intenso e sensível. O perfeito tornou-se perfeitíssimo. O triste passou a trágico. Disse, digo e escrevo vezes repetidas que tenho vivido muito e sempre intensamente.  Agora ainda mais. 
Ver um filho crescer torna-se no maior e mais completo plano de vida de sempre. A par disto crescem connosco alguns medos e a tristeza amputada de algumas inevitabilidades. 
Os contrastes fazem-se ainda maiores. Percebemos que a vida começa e termina quase no mesmo sítio. Entretanto vivemos. 

Entretanto vivemos. 

sexta-feira, 18 de julho de 2014

A Sopa e a Polícia - Take Two


É que nāo percebo nadinha. Fico baralhada como as cartas. 

Hoje foi estranhíssimo... Os primeiros 5 minutos foram com a Amália a chamar novamente a gritar pela polícia com o seu choro sirene que se ouve de norte a sul do país. 

Sempre o mesmo diálogo: 
"Sr. guarda leve-me daqui que estou entregue aos bichos. Esta gente dá-me coisas esquisitas para comer" 

A ver se mudamos o guiāo, tal māe tal pai, vamos arranjando truques. O truque mais baixo e óbvio é:
1. Choro, boca aberta, 3, 2, 1 ... Colher com sopa. In.
2. Choro mantém-se, boca aberta igualmente, 3, 2, 1 ... Chucha. In. 

Acalma. Felizmente acalma. E eu também... Pelo menos até à próxima colher... 

O que foi estranho hoje é que foi do 8 ao 80. Cinco minutos de choro louco e de aperto. 
E do nada... Sim, do nada, levantou-se o lenço branco da paz. 
Foi do inferno ao céu. E eu com ela.
Transformou-se tudo num "Māe, isto tem de ser e será rápido. E quem sabe até é bom. Vou comer à velocidade da luz e tudo e tudo e tudo, sem deixar nada." 
E nāo verteu nem mais uma lágrima. Será que desistiu da luta? Da batalha? Ou da guerra?
Desde que nāo desista de mim... 

Agora dou voltas e voltas à cabeça... O que será que aconteceu? 

Talvez estivesse quente demais. A queimar nāo, naturalmente provo a sopa antes, mas quente para o gosto dela?! Talvez. Mesmo o leite gosta dele frio, mais ainda no verāo. Leite morno começa logo a ficar irrequieta e cheia de calores. 

Quem sabe... 

De boca aberta fiquei eu. 
Mas já dizia o ditado... (Nāo, nāo é esse que estāo a pensar.)
Este: Cá se fazem cá se pagam.  
Eu nāo merecia nem mais nem menos que acabar esta história de boca aberta. 

Minha filha, maravilhoso final de sopa hoje. Até na colher agarraste para puxar a sopa para ti.
Que seja o começo de um grande princípio. A tua boa alimentaçāo.





  





quarta-feira, 16 de julho de 2014

Até Hoje A Minha Filha Gostava De Mim...




Sim... Até hoje...
Ontem foi-me dado o benefício da dúvida.
Hoje foi o dia da revolta. Total.
Amanhã pode ser para esquecer...

Hoje quando viu pela segunda vez na vida A tigela branca com uma 'coisa' laranja estridente lá dentro foi ... 
Game over. The end. Acabou. 
'Mas que mãe és tu?!?!' Lia-se por trás das suas lágrimas gordas e desesperadas. Desesperada por uma sopa de cenoura sem sal. A sua segunda sopa. 
Que será de mim depois... À terceira, à quarta, à quinta...? 

Ontem correu bem. Temia o pior e correu bem. Comeu tudo. Deve ter achado que era mesmo necessário por alguma razão muito forte. Estranhou mas comeu... Ou melhor, foi comendo. Baralhada entre o sabor e a estranheza de uma colher pela primeira vez na boca. 
A cozinha preparada para a guerra... Nós  tapados até ao pescoço e todas as máquinas fotográficas e de filmar a postos. Um aparato. Nada aconteceu. Tudo tranquilo. Restou a expressão de enfado e pouco mais.
O cenário de guerra ... Aconteceu hoje...
Bastou ver o mesmo tom de branco e laranja dA tigela. A tigela. Igual à de ontem. Socorro. Chamem a polícia. Alguém. A minha mãe perdeu de vez o tino. 
Ligou a sirene. Os vizinhos só podem de facto ter chamado a polícia... Tal era o alarido aqui em casa. 
A tigela... Socorro! A tigela... Sr. Guarda...

Perdi a batalha. Espero não ter perdido a guerra. 
Ao fim de 45 minutos, 50 litros de lágrimas e ainda meia sopa por comer... Desisti... Tal era o nosso estado. 

Ela perdida de desespero sem a polícia chegar. Eu sem saber mais o que fazer para a relaxar. 

A tigela vai voltar, sr. guarda... Vai voltar.



domingo, 13 de julho de 2014

Pequenas Asas







Hoje foi dia de pequenas asas.
Foi dia de petiscos e sangria ao pôr-do-sol.
Dia de passeio pelas pedras da calçada e asas, pequenas asas, pelo ar. 
E dia de mar, muito mar este o da Ericeira.
E num cantinho encantado encontrei asas para voar. 
Chama-se little wings e tem fatos de banho apaixonanates para bebé. 
Encontrar noutros sítios é fácil. Difícil é serem lindos de morrer como estas asas, pequenas asas...

Hoje foi dia de mar. Dia de te amar.
Mas também e como sempre... De partilhar...

O importante é ter asas para se voar.


sábado, 12 de julho de 2014

Eu Nāo Conseguia. Vou Ter De Conseguir.



Um destes dias escreveram-me a perguntar se eu era a Nossa Senhora daquela peça de Natal com 5 anos no infantário...

Voltei lá. 
Sou. Era. 

Ao voltar aos 3, 4, 5 anos... na memória as lágrimas sofridas de quem nāo sabia a importância de ali ficar.
Lembro a expressāo do meu pai. Hoje sei o que significava. Era o desespero de quem tem de ir trabalhar e à sua frente lidava com a indignaçāo gritante desesperada e profundamente triste dos meus 3 aos meus 5 anos. 

Chorava com toda a minha alma. Lembro-me. Doía-me em todos os cantos do coraçāo. Nāo compreendia: Porque tinha de ficar ali? 
Nāo conhecia aquelas pessoas. Nāo queria conhecer. E porque tinha de ficar ali? 

- Filha, tens de ficar na escola. Filha, meu amor, é assim que todos os meninos crescem e aprendem na vida. 

O meu pai... Por seu lado... Tinha naturalmente de me deixar ali. Trabalhavam os dois. Pai e māe. 
Ao virar a esquina... Imagino... o mundo dele só podia gritar por mim. 
Pobre pai. Pobre coraçāo apertado e atrapalhado.
É coisa que nunca perguntei. Nāo preciso porque sei. 

A minha māe nem imagino.
Pobre māe. Coraçāo desfeito e delicado.
É coisa que nunca perguntei. Porque sei. Porque sei.

Na memória: 
Destabilizei manhās, horários, dias...   
Nāo era das que chorava e que em cinco minutos resolvia. 
Chorava dias. 
Chorei manhās, horários e dias... 
Tinha sempre uma espécie de mulher polícia que tentava fazer sorrir o meu dia. Devia ser pela sirene que eu emitia. 
Nunca quis ficar ali. Estar ali. 
Era a Clara... Se nāo me engano... 
Era a Clara a monitorizar a escuridāo dos meus dias. 

Imagino a dor dos dias... Nenhum pai, nenhuma māe pode desistir de deixar um filho ali. 
É para a escola que os filhos têm de ir.

Desde que fui māe tremo e temo. 
Esta memória enfraquece-me a força de deixar a minha Amália assim.
Sei que tem de ser. Peço por tudo que nāo seja ela também assim.
Como fui. Como eu.
Pobre pai. Pobre māe.

Nāo conseguirei eu vê-la trepar paredes, arranhar o coraçāo e gritar as entranhas.   
Nāo conseguirei virar a esquina, partir o nosso coraçāo e esgadanhar-me com as manhas.
Nāo conseguirei viver o dia, respirar o ar e rezar por todas as alminhas.

Nāo conseguirei.
Pobre pai que tantos dias, de costas, teve de dobrar a esquina.  
Pobre māe que tantas manhās, de frente, teve novamente o corte do cordāo que já nāo tinha.

Eu nāo conseguia.  Eu nāo conseguia.
Vou ter de conseguir. 


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Somos Māes Nāo Somos Gordas



 Foto de: Jade Beall


Jade Beall recorde este nome.
Esta mulher fez um trabalho fotográfico de uma sensibilidade tocante. 
"A Beautiful Body"
Depois de ter sido māe auto-retratou-se com o seu rebento de uma forma crúa e cheia de amor. Da sua imagem ao espelho diferente, nova, surgiu a ideia de fotografar outras mulheres a quem também a maternidade deixou marcas no corpo.

A gravidez marca. Para além do grande marco de beleza que é na vida, também é marcante no corpo. Nas entranhas. Na estética. A beleza redefine-se. Como um baralho de cartas que se baralha e volta a dar.
A sociedade parece mais que nunca saber valorizar isto e disponível para novos padrões de beleza e aceitaçāo. Há inúmeras campanhas que apontam nesse sentido e projectos fascinantes como este chegam a um mundo de pessoas que o abraçam com amor, respeito e admiraçāo.

A isto falta ainda chegar e tocar mentalidades supérfluas. Mas já dizia a minha avó... "Nāo se pode agradar a Gregos e a Tróianos." 

Que se lixem a estética, a perfeiçāo aparente e os padrões de beleza instituídos. 

Somos māes minhas senhoras, nāo somos gordas.  Ensina-me todos os dias o meu próprio pai e o teu pai, Amália.    
Para quem nāo tem homens fabulosos destes em casa... Por favor nāo se cansem de repetir isto:
Somos māes. O resto é conversa.





Fotos de: Jade Beall
Projecto: A Beautiful Body

terça-feira, 8 de julho de 2014

4 meses, 123 dias, 2952 horas


                                             4 meses, 123 dias, 2952 horas, 177120 minutos


Pode parecer matemática mas de matemática tem pouco.
Para muitos a vida continua como era, como sempre foi. 
Para tantos nem um segundo se perde a questionar os dias.
Para outros isto de "ter filhos" e escrever sobre isso nāo passa de uma "parva piroseira"
Para esses... Nem sabem o que perdem. Nāo pelos meus pirosos textos, claro. Mas por isto de "ter filhos".
Para esses... também o que perdem pelo prazer das palavras que sobre isso se escrevem.

"Isto" de ser māe, "isto" de ter um filho, transforma-nos. 
Muda-nos. Vira-nos. 
De dentro para fora. De fora para dentro. 
De pernas para o ar. De "ponta a cabeça". 
Da direita para a esquerda. Da esquerda para a direita. 
De fora para dentro. E tudo o mais que houver. 

Ficamos pirosas? Ficamos. 
Ficamos diferentes, lamechas, esquecidas, cansadas, loucas, chorosas, divertidas, lindas, sensíveis, felizes, maiores, melhores, enormes? Ficamos. E tudo o mais que houver.

Ainda "ontem" na maternidade... Ainda "ontem" com medo do que seria, do que viria a ser, do que se tornaria ou poderia ser. Ainda ontem nada sobre fraldas, cueiros e chuchas... Ainda ontem a kms de distância onde o futuro se prometia. Ainda ontem sentia que já seria tarde demais para mim. Ainda ontem temia, imaginava e receava que nada disto fosse para mim. 

Aos teus 4 meses e depois de uma vida tāo cheia, mas tāo cheia, tāo enriquecedora, tāo diversificada, tāo bonita quanto estranha, tāo sozinha quanto acompanhada, tāo fácil quanto difícil, tāo maravilhosa quanto frustrante, tāo de sonho quanto de verdadeira, tāo fascinante quanto desesperante. 

Depois dessa vida... Ganhei ainda outra. 
Obrigada.
Tu. 
E agora 4 meses de nós.

Lembro muito ultimamente os meus momentos mais difíceis antes de ti, lembro muito ultimamente os meus momentos mais felizes antes de ti. Como uma espécie de balanço ou inventário. 
Pode parecer tolo ou estúpido, mas a vida defini-se nesse antes e depois de ti. 
Lembro porque essa vida que vivi até ti foi... sei hoje... A construçāo sólida da minha estrutura para agora ser capaz de olhar por ti. 

É esse o marco enorme e simplesmente maravilhoso que fica: 

O antes de ti passar a ter ainda mais sentido depois de ti. E o depois de ti ser para sempre contigo ao meu lado aqui. 
Obrigada












sexta-feira, 4 de julho de 2014

É A Atençāo



É a atençāo...

As olheiras hoje pesam. As pestanas carregam às costas o sono que hoje me falta.
Está tudo calmo. Tudo calmo.

É apenas a atençāo. Aqui ao meu lado, sem ler, observa todos os meus movimentos e lê todos os meus textos.
É a atençāo.
No segundo em que me levanto seja para cozinhar ou ir à casa de banho, liga logo a sirene.
Parece um alarme. Um despertador.
A sirene pára de tocar com um sorriso demolidor de tāo contagiante quando apenas, sim, apenas...
Me chego mais perto e a olho nos olhos.

Hoje conversa comigo pelos cotovelos e ainda nem uma palavra articula.
Hoje reclama se tenho a ousadia de agir como se fossemos duas pessoas distintas.
Hoje sorri quando a encho de beijos ainda que sem dormirmos.
Hoje lê os meus textos sem ainda sequer saber o que é ler.

E com 16 anos? Tento mentalizar-me...
Aos 16 quererá pouco que fique com olheiras por esperar que adormeça.
Quererá pouco ficar ao meu lado um dia inteiro a sorrir para mim.
Quererá pouco que a encha de beijos, mais ainda se nāo dormiu.
Quererá pouco ler os meus textos por ter os seus livros para ler.

Estou a começar um projecto novo e ao mesmo tempo sinto-a a olhar incrédula para mim:
-Mas afinal o que estás a fazer... Olha que aos 16 nāo estou aqui disponível para ti assim...

E lá vou eu de 2 em 2 segundos roubar mais um sorriso rasgado e interromper as suas sirenes gritantes.

Agora, depois de todas estas horas sem dormir... Finalmente fechaste os olhos.
Que as pestanas fiquem leves como o peso do algodāo.

Vou fechar os meus também.