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sábado, 12 de julho de 2014

Eu Nāo Conseguia. Vou Ter De Conseguir.



Um destes dias escreveram-me a perguntar se eu era a Nossa Senhora daquela peça de Natal com 5 anos no infantário...

Voltei lá. 
Sou. Era. 

Ao voltar aos 3, 4, 5 anos... na memória as lágrimas sofridas de quem nāo sabia a importância de ali ficar.
Lembro a expressāo do meu pai. Hoje sei o que significava. Era o desespero de quem tem de ir trabalhar e à sua frente lidava com a indignaçāo gritante desesperada e profundamente triste dos meus 3 aos meus 5 anos. 

Chorava com toda a minha alma. Lembro-me. Doía-me em todos os cantos do coraçāo. Nāo compreendia: Porque tinha de ficar ali? 
Nāo conhecia aquelas pessoas. Nāo queria conhecer. E porque tinha de ficar ali? 

- Filha, tens de ficar na escola. Filha, meu amor, é assim que todos os meninos crescem e aprendem na vida. 

O meu pai... Por seu lado... Tinha naturalmente de me deixar ali. Trabalhavam os dois. Pai e māe. 
Ao virar a esquina... Imagino... o mundo dele só podia gritar por mim. 
Pobre pai. Pobre coraçāo apertado e atrapalhado.
É coisa que nunca perguntei. Nāo preciso porque sei. 

A minha māe nem imagino.
Pobre māe. Coraçāo desfeito e delicado.
É coisa que nunca perguntei. Porque sei. Porque sei.

Na memória: 
Destabilizei manhās, horários, dias...   
Nāo era das que chorava e que em cinco minutos resolvia. 
Chorava dias. 
Chorei manhās, horários e dias... 
Tinha sempre uma espécie de mulher polícia que tentava fazer sorrir o meu dia. Devia ser pela sirene que eu emitia. 
Nunca quis ficar ali. Estar ali. 
Era a Clara... Se nāo me engano... 
Era a Clara a monitorizar a escuridāo dos meus dias. 

Imagino a dor dos dias... Nenhum pai, nenhuma māe pode desistir de deixar um filho ali. 
É para a escola que os filhos têm de ir.

Desde que fui māe tremo e temo. 
Esta memória enfraquece-me a força de deixar a minha Amália assim.
Sei que tem de ser. Peço por tudo que nāo seja ela também assim.
Como fui. Como eu.
Pobre pai. Pobre māe.

Nāo conseguirei eu vê-la trepar paredes, arranhar o coraçāo e gritar as entranhas.   
Nāo conseguirei virar a esquina, partir o nosso coraçāo e esgadanhar-me com as manhas.
Nāo conseguirei viver o dia, respirar o ar e rezar por todas as alminhas.

Nāo conseguirei.
Pobre pai que tantos dias, de costas, teve de dobrar a esquina.  
Pobre māe que tantas manhās, de frente, teve novamente o corte do cordāo que já nāo tinha.

Eu nāo conseguia.  Eu nāo conseguia.
Vou ter de conseguir. 


domingo, 1 de junho de 2014

O Teu Dia Mundial




Hoje será o teu primeiro dia 1 de Junho. Dizem ser hoje o teu dia mundial... 
Pois para mim o teu dia mundial, universal ou particular é todo e cada dia. Mas claro, alinho nesta comemoraçāo global de hoje em diante. De 2014 até sempre, contigo. Quando digo sempre digo porque ainda serás para mim daqui a 20, 30, 40 ou 100 anos a pequenita Amália.
Quando era eu uma menina gostava, amava e vibrava com os planos em família neste dia. Até que acordei e percebi que já nāo era mais uma menina. E perdi todo o direito a estas comemorações. 
Funciona muito assim a vida. Tudo o que um dia se ganha parece que cedo ou tarde se perde.


Agora crescida contigo gostarei de cumprir todas as comemorações. Sempre. Deixarás certamente de ser criança mas serás sempre a minha maravilhosa filha. Seja num carrossel, num pic nic, num jardim ou num cinema, este dia que passa a ser teu agora nāo deixará de ser mais tarde. 
Sejas tu a pequenita Amália ou a grande e crescida Mel. 
Serve este texto também para te dizer que a māo que te ampara agora as costas, e tantas vezes ainda a tua pequenina cabeça, essa māo é hoje e assim será sempre: o teu amparo. 

Feliz dia, pequenita Amália. Bonita Mel. 
E os teus grandes sorrisos sempre. 




domingo, 27 de abril de 2014

O Teu Cavalo Gibson


Procurei muito tempo um cavalo de pau. 
Nāo podia ser um cavalo de pau qualquer. Tinha de ser dos antigos. 
E mesmo dos antigos nāo podia ser um qualquer. Tinha de ser romântico. 
Tinha de ser este.
Já diz o ditado: Quem espera sempre alcança. 
Hoje cruzei-me com ele. O cavalo certo. Parecia uma criança. 
Na realidade ainda nāo acredito que encontrei exactamente o que procurava.

Sonho tantas vezes com "coisas" específicas e tantas vezes é tāo difícil encontrar exactamente o que procuro. Regra geral nāo desisto. Desisto de muito poucas coisas na vida. E é por isto que tantas vezes sou confrontada com perguntas "mas onde arranjaste isto?". Neste caso, foi sorte, ou talvez nāo. 
Foi o destino, como acredito.

Amália, meu amor, quando cresceres talvez sonhes, como eu, com um cavalo real para cuidares dele e passearem juntos pela praia. Por agora... Oferecemos-te este: o cavalo Gibson, como diz o teu pai em tom de brincadeira.

Quando perguntares porque se chama Gibson... Eu explico... É uma história longa, mas conto.

A avó Luxa gosta que te chames Amália mas gostava muito que fosses Amélia. Amélia porque quase sempre na escola se usam diminutivos e assim ficarias a Mel. Serias Mel na escola mas acabaste por ficar Mel na mesma em casa. A nossa mel. 
Nāo precisas ser Amélia para ser doce como o mel. Amália, minha Mel... Já viste onde isto vai dar...
Nāo somos fās do Mel Gibson mas é uma graça apenas.

Fica assim entāo. A Mel e o Gibson. Dispensam-se mais explicações.
Espero que gostes tanto quanto eu. 
Apresento-te o Gibson, Mel.    


sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Quadro Número 1


© Ana Rocha De Sousa, Anita Mamā


Os desenhos, as texturas, as experiências vāo acontecendo. Gostava tanto de estar apenas dedicada aos teus quadros, meu amor. Mas nāo tem sido possível. Os dias cheios, os últimos preparativos, tanta coisa. E apenas nos intervalos, os pincéis, as tintas, os papeis, os desenhos... 
Ainda assim já deu para alguma diversāo e experiência. Um dos quadros já é o primeiro do teu conjunto de seis. Fica aqui o primeiro. Sabe-se lá de quantos... O primeiro dos teus seis... Quem sabe o primeiro também de muitos outros para o quarto de outras princesas, como tu. Como tu. 
Nunca se sabe. Quem sabe.  

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Os Teus Primeiros Quadros


Seria uma vergonha eu sendo licenciada em pintura decidir comprar quadros para as paredes do teu quarto, meu amor. Hoje, por isso mesmo, fomos comprar material para ser eu a fazer experiências e assim ser  responsável por essa maravilhosa tarefa. 

Devo explicar primeiro... Sempre tive muita dificuldade em encarar positivamente os quadros apenas decorativos. Passei anos a ser instruída no entendimento total de uma obra de arte e como a arte nāo serve o propósito de condizer com o sofá. No entanto, este caso é diferente. 
O meu problema até aqui sempre foi apenas relativamente a quadros decorativos. Tenho em mim toda a paixāo por decoraçāo de interiores que considero fundamental para o bem estar e a harmonia familiar, ou mesmo para o aconchego interior... Mas o respeito pela arte (e toda a carga de uma obra numa parede) fez-me sempre correr na direcçāo oposta à ideia de decorar as paredes com pinturas meramente decorativas. A pintura em si é muito mais que bonitos rabiscos pendurados nas paredes. E a melhor das decorações dá lugar à verdadeira arte. No limite nem que seja à arte do bom gosto e da simplicidade.  

Sim, esta situaçāo é diferente. Um quarto de bebé é um quarto de bebé e nāo só pode, como deve ser resultado de harmonia perfeita e calma profunda, com cores suaves e equilíbrio entre tudo. Fora das normas artísticas comuns. O que se coloca na parede de um quarto de um bebé tem de ser leve e sem "peso" de conteúdo, longe do "peso" comunicativo da  arte, distante de ideais ou regras artísticas. A regra aqui passa a ser apenas decorar, dar harmonia. Encontrar esses bonitos rabiscos e trazer pureza, aconchego, suavidade e calma àquele lugar, àquele ninho. Por isso, neste caso, vale a liberdade. Quadros vazios de significados profundos até, pois em si cada desenho, pintura ou ilustraçāo colocados junto a um berço, ou junto a um muda-fraldas, devem remeter pura e simplesmente para o universo da imaginaçāo e do sonho. Seja através de manchas de cor, seja através de harmoniosas texturas ou  traços carvāo. Neste caso, vale  o puramente estético. Sem complexidades, metáforas, cânones, técnicas ou significados profundos. 

A experimentar: o prazer puro pelas texturas e pela cor.  
Nāo sei o que daqui sairá, nem prometo que nada disto resulte, apenas digo que vou tentar. 
Vou tentar e longe do que fiz antes, longe da procura que até aqui foi sempre no sentido oposto. 
Agora sim, vou brincar às cores, às manchas sem limites. 
Espero que gostes. Espero que gostes.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Devia Ter Dançado


Caixa de Luz "Desisto" da colecçāo Auto-Retrato: Memórias

Sāo histórias que se contam. Nem sempre. Quero dizer: de tanto lembrar uma recordaçāo por vezes deixa de ser uma memória para se transformar na história repetida que se conta sobre aquele momento, sobre aquele tempo de infância. Falo nisto porque ontem voltei a um lugar onde já nāo ia há muito, mesmo muito tempo. 

Ali sentada, ao olhar pela janela lembrei aquilo que nāo sei se é a história real ou já apenas a memória da própria história. Dali via o teatro onde pela primeira vez pisei um palco. Devia ter os meus 6 anos. Mas repito, esta pode ser a história da memória e nāo o relato certo e justo para o acontecimento real. Porque falo nisto aqui? Porque tinha 6 anos, sentia e vivia nāo de acordo com a idade que tinha. 
O que ficou em mim do tempo é o que conto aqui:

Tinha aí uns 6 anos. Era muito envergonhada. Ninguém acredita mas sempre fui. Agora menos. Agora melhor. 
Andei no ballet uns anos no colégio. À hora de almoço lá ficava eu no meio de muitas meninas, grandes e pequenas, maiores, menores, gordas, magras, altas, baixas, mais velhas ou mais novas. Mas lá estava eu com o recreio reduzido de 1h30 a 45 minutos. A ideia encantava-me. Sonhava com a dança, os tutus e as piruetas. Um problema: nāo me mexia. Podia e devia ter dançado. Mas nāo me mexia. Em mim desde cedo o pânico de errar. Porquê? Porque ali estavam as mais velhas que já faziam ballet desde a minha idade. Porque elas, essas sim, já sabiam o que estavam a fazer. Olhava para elas e pensava que era suposto eu já saber fazer tudo aquilo. Olhava e nenhuma me explicou que eu estava ali para aprender a fazer aquilo e que ainda nāo tinha de saber fazer. Lembro particularmente a Joana. A Joana nāo dançava, a Joana levitava. Fazia tudo. E tudo com leveza. Para além do resto, eu ainda tinha medo da professora. Ela era uma elegância e penso que se chamava Manuela. A Manuela tinha sempre consigo aquilo que eu achava ser uma "bengala". Era maravilhosa pela sua postura direita e elegante. Sempre. Ela e a sua "bengala" numa das māos para ensinar a postura correcta às meninas de tutu. Desde a posiçāo dos dedos à posiçāo do pé. Tinha medo dela. De olhar rijo e ombros direitos nāo abria um único sorriso para mim. 
É o que me lembro... De ficar à porta em grupo à espera e sentir que nāo pertencia ali. Nem à Manuela nem a nenhuma delas porque era pequena demais para me aturarem. Fui aguentando porque tinha pedido à māe para ir para o ballet. Mas depois nāo me conseguia mexer. Durante bastante tempo. Por vergonha. Podia e devia ter dançado. Nāo tudo. Nāo. Mas ballet.
Nāo o fiz. Acabei por nāo o conseguir fazer em tempo útil. Tenho as melhores recordações do colégio mas ali falhei e o Colégio falhou. Sei hoje que podia e devia ter dançado. Bastava que aquela pressāo me tivesse sido aliviada por uma professora com a sensibilidade de um sorriso. Bastava que aquela timidez fosse percebida por alguém ali com olhos atentos. Bastava que aquela classe fosse para a minha idade e nāo fossemos todas tāo diferentes. Bastava que eu tivesse dito aos meus pais o que sentia. Bastava tanta coisa. Mas eram poucos os meus anos. E aos meus pais nem eu nem ninguém lhes disse.

Ontem ali sentada à janela, lembrei tudo isto porque naquele teatro subi ao palco com essa classe de ballet. O Teatro cheio de gente, cheio de pais e avós. A barriga doía porque eu tinha de ir, e sabia que nāo sabia, que nāo queria, porque ia fazer mal, porque todos iam ver, porque as "grandes" faziam bem e eu fazia mal. Porque nāo fazia. Porque ninguém disse que nāo era suposto ter nascido a saber fazer. Porque ninguém avisou que era preciso fazer, tentar e errar para aprender. Ninguém disse. Nesse dia, já no palco, claro que entrei ao contrário, virava para a esquerda quando devia ir para a direita, ficava quieta quando me devia mexer. Nem sei se mais alguém se lembrará disto. Eu lembro assim. O dia em que pisei pela primeira vez o palco foi um dia de horror. Em que me salvou a beleza dos tutus rosa, das sapatilhas de principiante e nāo as de pontas como as das "grandes", bem como o meu penteado cabelo loiro com uns tótós perfeitos feitos pela Joana "grande". Quando acabou o tormento fiquei feliz porque já estava. Tinha acabado. Nāo fui mais para o ballet tentar fazer nada. Fui apenas até ao dia em que a minha māe me perguntou se eu queria mesmo continuar e eu ganhei coragem para dizer que nāo. Ali nāo queria. Devia ter dançado, mas nāo ali, no sítio certo quem sabe. Talvez esse sítio nāo existisse. Hoje sei que nāo era falta de jeito a minha. Era medo. Medo e vergonha. Vergonha e responsabilidade. Responsabilidade de querer fazer bem. Nāo fiz. Eram 6 anos. 

Meu amor, quem sabe um dia vais ler isto. Serve este momento para te dizer:
Que eu consiga a difícil tarefa de te entender sempre. De te ler. Acima de tudo naquilo que nāo vais ser capaz de me dizer. Que eu perceba em ti tudo aquilo que nāo terás a capacidade de entender. Acima de tudo, o que em tempo útil, e por ti só, nāo vais ser capaz de ver. Nem de saber.
Meu amor. Nascemos para aprender.