Um destes dias escreveram-me a perguntar se eu era a Nossa Senhora daquela peça de Natal com 5 anos no infantário...
Voltei lá.
Sou. Era.
Ao voltar aos 3, 4, 5 anos... na memória as lágrimas sofridas de quem nāo sabia a importância de ali ficar.
Lembro a expressāo do meu pai. Hoje sei o que significava. Era o desespero de quem tem de ir trabalhar e à sua frente lidava com a indignaçāo gritante desesperada e profundamente triste dos meus 3 aos meus 5 anos.
Chorava com toda a minha alma. Lembro-me. Doía-me em todos os cantos do coraçāo. Nāo compreendia: Porque tinha de ficar ali?
Nāo conhecia aquelas pessoas. Nāo queria conhecer. E porque tinha de ficar ali?
- Filha, tens de ficar na escola. Filha, meu amor, é assim que todos os meninos crescem e aprendem na vida.
O meu pai... Por seu lado... Tinha naturalmente de me deixar ali. Trabalhavam os dois. Pai e māe.
Ao virar a esquina... Imagino... o mundo dele só podia gritar por mim.
Pobre pai. Pobre coraçāo apertado e atrapalhado.
É coisa que nunca perguntei. Nāo preciso porque sei.
A minha māe nem imagino.
Pobre māe. Coraçāo desfeito e delicado.
É coisa que nunca perguntei. Porque sei. Porque sei.
Na memória:
Destabilizei manhās, horários, dias...
Nāo era das que chorava e que em cinco minutos resolvia.
Chorava dias.
Chorei manhās, horários e dias...
Tinha sempre uma espécie de mulher polícia que tentava fazer sorrir o meu dia. Devia ser pela sirene que eu emitia.
Nunca quis ficar ali. Estar ali.
Era a Clara... Se nāo me engano...
Era a Clara a monitorizar a escuridāo dos meus dias.
Imagino a dor dos dias... Nenhum pai, nenhuma māe pode desistir de deixar um filho ali.
É para a escola que os filhos têm de ir.
Desde que fui māe tremo e temo.
Esta memória enfraquece-me a força de deixar a minha Amália assim.
Sei que tem de ser. Peço por tudo que nāo seja ela também assim.
Como fui. Como eu.
Pobre pai. Pobre māe.
Nāo conseguirei eu vê-la trepar paredes, arranhar o coraçāo e gritar as entranhas.
Nāo conseguirei virar a esquina, partir o nosso coraçāo e esgadanhar-me com as manhas.
Nāo conseguirei viver o dia, respirar o ar e rezar por todas as alminhas.
Nāo conseguirei.
Pobre pai que tantos dias, de costas, teve de dobrar a esquina.
Pobre māe que tantas manhās, de frente, teve novamente o corte do cordāo que já nāo tinha.
Eu nāo conseguia. Eu nāo conseguia.
Vou ter de conseguir.